terça-feira, 22 de outubro de 2013

"Quem morre não fala mais nada" #2

por Leonardo Ribeiro e Lucas Afonso Sepulveda



A chamada Irmandade Assassina, ou Círculo de Liberais, é uma organização rebelde que nasceu no Império Romano, estabelecendo uma luta armada contra os Templários, a ordem monástica militar que controlou imperadores e, hoje, tem grande influência na indústria americana. Para defender o livre arbítrio e impedir a opressão dos templários durante os séculos, os assassinos da Ordem devem agir de acordo com três máximas: 
1. Deixe sua lâmina longe da carne de um inocente;
2. Esconda-se e seja mais um na multidão;
3. Nunca comprometa a fraternidade. 
É nesse grupo rebelde que Enzio Auditore, um jovem de 17 anos da Florença do século XV, descobre suas ligações, depois de ver pai e irmãos serem mortos pelos templários. Ele quer, obviamente, a vingança.

Essa é a premissa de um dos protagonistas do jogo Assassin's Creed. O jogo era possivelmente um dos favoritos de Marcelo Pesseghini, tanto que o rebelde Enzio era usado como o avatar do garoto no Facebook.

O segundo dia de apuração

No dia 6 de agosto, os portais brasileiros de notícia já sabiam que a principal suspeita da Polícia Militar era de que Marcelo Eduardo Bovo Pesseghini, de 13 anos, teria matado os próprios pais, a avó e a tia-avó, e depois se suicidado. Tanto a Folha de S. Paulo quanto o Estadão buscaram exaustivamente por detalhes que pudessem servir como aliados a essa informação. O primeiro veículo publicou quatro notas, e o segundo, seis.

No entanto, uma desses detalhes acabou sendo o carro-chefe de acessos do dia.

Às 10h48, a Folha soltou sua segunda notícia do dia e provavelmente uma das primeiras que tentariam justificar as suspeitas e, de certo modo, apelar para a solução do crime. A foto do personagem assassino na rede social da criança foi validada pelo portal e virou suite do caso [“Filho de PMs mortos usava imagem de personagem assassino em rede social”]. O detalhe levantado pelo site não chegou a ser comentado pela investigação da PM e só foi discutida oficialmente no laudo psicológico do garoto. Mesmo não afirmando que o jogo influenciou no comportamento do menino, o discurso da Folha reforçou precocemente uma interpretação de que Assassin’s Creed seria importante para entender o que aconteceu na casa dos Pesseghini.

A foto de perfil de Marcelo também foi retratada pelo Estadão, no final do dia, mas com outro tratamento nada parecido com o concorrente. Ao invés de servir como uma justificativa ao comportamento violento, o jogo se tornou uma informação complementar, de uma frase, na nota sobre os depoimentos de um vizinho e de um amigo de Marcelo para os militares. De acordo com a PM, o colega contou que nunca tinha jogado “joguinhos de tiro” com menino morto [“Era um menino normal, que gostava da família’, diz vizinho”]

O Estadão não analisou o perfil do Facebook de Marcelo antes da Folha, mas conseguiu uma quantidade maior de informações e conteúdo relevante ao longo do dia. O portal trouxe, por exemplo, o relato sobre as armas de brinquedo encontradas no quarto de Marcelo, pelo delegado que conduz a investigação: “Ele teve capacidade de montar um escudo de papelão, parecido com o do pai (que usava colete à prova de bala na Rota), e também tinha um tipo de coldre, que montou com fitas de papelão, para colocar arma”.

No saldo final do segundo dia de apuração, outras diferenças nas coberturas dos dois portais incitam uma discussão sobre qual seleção e importância a imprensa dá a certas informações. Apenas o Estadão abriu um espaço para questionar algumas conclusões da polícia a respeito do caso: como o menino teria conseguido matar os familiares sem despertar a reação dos pais e o porquê de não terem encontrado resquícios de pólvora na mão do garoto, entre outras lacunas, foram evidenciados pela publicação, dando a entender de que o caso ainda estava longe de ser concluído. Por outro lado, em nenhum momento a Folha de S. Paulo tentou mostrar a complexidade do caso, através de outras perspectivas, fora da suspeita principal da policia. Sua última noticia sobre o inquérito foi publicada às 17h04, sobre o depoimento de um dos amigos de Marcelo à PM, em que sugere que Pesseghini queria realmente matar os pais. Parece haver uma pressa da Folha em atingir determinadas conclusões que precisam ser dadas, na verdade, pela investigação.

A responsabilidade do jornal se compromete quando os valores notícia são majoritariamente influenciados pelo possível impacto que um acontecimento pode alcançar sobre o público. Toda a construção do “garoto que jogava Assassin’s Creed e pode ter matado a família a sangue frio” gera acesso e pode ser bastante rentável para os veículos. No entanto, essa construção também cria estigmas que não são necessariamente condizentes com uma veracidade. O próprio laudo médico de Marcelo Pesseghini mostra que a principal justificativa para o comportamento violento do garoto seria um estado de saúde mental comprometido pelo ambiente familiar em que vivia. Ao mesmo tempo que o videogame não serviu como prova ou motivação do assassinato. Ao mesmo tempo, não cabia à imprensa buscar provas e motivos para solucionar um crime.


11 comentários:

  1. Lendo esse relatório volto a pensar no sensacionalismo. Além dos problemas com a apuração e com o fluxo muito rápido de informações, parece que os meios priorizam o sensacionalismo, a visada de captação.
    Ainda que há espaço para corrigir erros de apuração e voltar a atrás, o público é afetado por uma falta de oferta de esclarecimentos, por uma falta de outras possibilidades para interpretarem. Consigo perceber isso, mas ainda não vejo uma solução clara para a questão.

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  2. Muito bacana o relatório e é bom ver que alguém se propôs a problematizar um assunto que me interessou muito na época: a apuração feita logo nos primeiros dias. Como eu era puramente telespectadora, não trabalhei em nenhum tipo de notícia sobre o assunto, estava cada vez mais ávida por informação e incrédula quando o menino foi apontado como suspeito. E assim como a Melissa, não consigo pensar numa solução para essa necessidade de dar o furo e a falta de tempo para uma melhora apuração.

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  3. Muito bom o relatório de vocês gente. Fiquei aqui pensando também nessa agilidade e preocupação em dar as informações do caso e como isso pode interferir nos textos finais. Acho que as dinâmicas de produção destes veículos são em partes responsáveis por esse julgamento apressado que as matérias fazem. Também acho que essa busca (meio que forçada) de provas da mídia mostra todo um clima de mistério e de escândalo que envolvem esse acontecimento e que pauta uma conversação que está também fora da mídia. Tantos os meios de comunicação, quanto as pessoas no cotidiano, diante de um crime desses passa a especular e procurar pistas em diversos fatos em busca de uma solução para o caso. O fato do garoto jogar Assassin's Creed só aumenta as especulações e indagações, sendo mais um elemento desse drama cotidiano que a mídia vai construindo.

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  4. Olá meninos,

    Gostei da forma como vocês organizaram o material coletado. Interessante observar a relação entre agilidade e apuração de fatos, principalmente no contexto de mídias sociais. Existem muitas discussões e polêmicas em volta dessas questões. E acredito que seja um grande desafio para todos, principalmente para nós estudantes de jornalismo, descobrir a melhor forma de convergir uma boa apuração com agilidade. A minha observação é de que vocês continuem atentos para as sutis diferenças existentes entre os veículos analisados, buscando identificar o porquê de certas escolhas.

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  5. Gostei bastante do relatório de vocês, meninos! como tinha comentado, tinha sentido falta de uma crítica e opinião de vocês no ultimo post, mas achei muito legal a conclusão de vocês nesse post. É realmente polêmica a questão da influência de jogos violentos na conduta e formação das crianças, o que vem sido debatido a muito tempo. E também é realmente relevante a discussão de como os veículos midiáticos escolhem aquilo que é mais relevante em um caso e o que não é. Parabéns!

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  6. Muito bacana esse trajeto que vocês estão traçando no projeto! Gosto muito que vocês problematizem a questão do furo versus apuração, até porque, como já comentado acima, parece uma questão sem uma solução tão visível. Como a Eduarda falou, acho importante nos colocarmos no papel do telespectador também e entender que, às vezes, a motivação para leitura é justamente descobrir novos fatos. No entanto, ainda que pareça impossível, encontramos veículos que preferem se afastar do furo em prol da boa e completa apuração.

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  7. Muito bacana esse trajeto que vocês estão traçando no projeto! Gosto muito que vocês problematizem a questão do furo versus apuração, até porque, como já comentado acima, parece uma questão sem uma solução tão visível. Como a Eduarda falou, acho importante nos colocarmos no papel do telespectador também e entender que, às vezes, a motivação para leitura é justamente descobrir novos fatos. No entanto, ainda que pareça impossível, encontramos veículos que preferem se afastar do furo em prol da boa e completa apuração.

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  8. Essa questão da apuração dos fatos e a velocidade dos acontecimentos, sempre me lembra uma aula da Geane em que ela dizia que hoje no jornalismo parece que é sempre preciso apontar um culpado o mais rápido possível, separar os vilões e as vítimas, as pessoas demandam isso, todos querem saber mais e o quanto antes possível o desenrolar dos fatos. Essa busca desenfreada de cobrir as lacunas do conhecimento das pessoas, no grosso das vezes, porém, acabam em tropeços na apuração, como os da matéria em questão. É um ciclo sem fim de pessoas querendo saber e veículos querendo sair na frente com a notícia, mas, ainda bem, como dito pela Marina, ainda há algumas publicações que se preocupam em garantir informação de qualidade ao seu público.

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  9. Olá, meninos! Gostei muito do relatório de vocês.O ponto que mais me interessou foi esse fato que vem acontecendo cada vez mais nos jornais: a necessidade de ter um furo para atrair o público. Isso se torna cada vez mais claro e mais perigoso, visto que a falta de apuração e de espera pelos reais acontecimentos, acaba tirando a credibilidade do jornalismo como um todo. No entanto, como as meninas disseram, ainda existem aqueles jornais que prezam por publicações de qualidade, e isso é de suma importância para a reestruturação dos veículos.

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  10. Achei muito interessante vocês terem buscado analisar um fato comparado a cobertura feita por dois meios. imaginava que seria praticamente a mesma coisa, porém com a análise de vocês, me pareceu que o Estadão estava mais disposto a segurar o caso e explorar mais dele.

    Antes já estava incomodada com a pressa da PM em apontar o garoto como o autor do crime, agora me incomodou a Folha também ter essa pressa, como pareceu, sem questionar e abrir espaço para essa análise.

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  11. A abordagem de vocês é muito boa! Gostei do fato de terem levado o questionamento de que à imprensa não caberia "buscar provas e motivos para solucionar um crime"...Esse ponto foi o que mais gostei, porque de fato, até onde seria o lugar da imprensa? E, dessa forma, realmente percebemos o risco de causar um sensacionalismo desnecessário e prematuro acerca de algo que ainda não se tem uma resposta final. Sem dúvida, dependendo da intenção e ênfase que se aplica aos valores notícia, a imprensa pode desviar e muito a direção sobre o que poderia ser verossímil em um crime, por ex.

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