terça-feira, 17 de setembro de 2013

"Quem morre não fala mais nada" #1

por Leonardo Ribeiro e Lucas Afonso Sepulveda


Marcelo Pesseghini teria matado os pais, a avó materna e a tia-avó nas primeiras horas do dia 6 de agosto. Após o assassinato, ele teria dirigido até a escola e voltado para casa de carona. O garoto teria se arrependido das mortes e cometeu suicídio.

As informações são do laudo psicológico divulgado pela mídia brasileira no dia 9 de setembro, mais de um mês após a chacina. A análise do Instituto Médico Legal e do Instituto de Criminalística parecem estar de acordo com a orientação que as investigações do caso tomaram: Marcelo teve um surto psicótico e matou sua família.

Ainda segundo a análise dos institutos, o sargento da Rota Luís Marcelo Pesseghini teria ensinado o filho a atirar e a mãe, a sargenta Andréia Regina Bovo Pesseghini, teria sido quem ensinou o garoto a dirigir. Os laudos apontam que Marcelo sofria de uma alteração de pensamento: ele se confundia com um matador de aluguel. A perícia acredita que o "ambiente de banalização da morte" e a "ausência de lei" dentro de casa tenham sido os grandes responsáveis pelo distúrbio do garoto. Aliado à isso, o comportamento de Marcelo ainda seria bastante influenciado pelo jogo de ação Assassin's Creed, que conta a história de um matador de aluguel.

Os documentos ainda tiveram acesso às mensagens e fotografias do tablet e aos cadernos de escola do garoto. Em um exercício de redação, ele escreveu: "Eu gosto de escrever histórias de aventura, onde eu sou o herói."

A análise da perícia foi massivamente divulgada entre os veículos que acompanhavam o caso. Na internet, a circulação se deu em minutos. A  Folha de S. Paulo, inclusive, montou uma galeria virtual com fotografias de partes do laudo psicológico e com as anotações de Marcelo. A página rendeu, em menos de uma semana, mais de 2 mil recomendações no Facebook e foi, no dia da publicação, uma das mais lidas do portal.

No entanto, no início de agosto, nem a Folha, nem o Estado de S. Paulo, seu principal concorrente, tinham acesso às essas informações. Eles estavam apurando em um território estranho, com informações repassadas, incertas e definitivamente inconclusivas.

O primeiro dia de apuração do caso Pesseghini

A Folha furou o Estadão. Às 19h33, o portal publicou “Casal de PMs, filho e outras duas parentes são mortos a tiros em SP”. Na notícia, não há muitos detalhes sobre o acontecimento de fato. A Folha decidiu usar uma imagem que não pertencia à agência de notícias do veículo: um frame de vídeo do programa de TV Cidade Alerta, da Rede Record, que mostra uma foto da família enquanto viva.

No fim do dia, o portal atualizou a notícia antes de publicar uma suíte do acontecimento. Foi adicionada uma galeria com fotos dos militares no local do crime e do atendimento da ambulância do IML. A nova nota [Casa em que PMs foram mortos em SP não tem sinais de troca de tiros], publicada às 23h49 traz mais informações liberadas pela polícia sobre o modo como os militares encontraram os corpos e como a PM soube da ocorrência. A fotografia da família viva, que antes apareceu com a marcação do Cidade Alerta, agora está limpa.

Três minutos antes da segunda notícia da Folha, às 22h45, o Estadão publicou sua primeira e única notícia sobre o acontecimento: “Comandante da PM descarta ação de facção em morte de família de policiais”. O título e o conteúdo da notícia foram atualizados uma hora depois da publicação. Em relação ao que saiu no portal concorrente, o Estadão conseguiu apurar detalhes mais precisos do caso, como a arma calibre .40 encontrada debaixo do corpo de Marcelo e outra, de calibre .32, encontrada pelos militares dentro da mochila do garoto. O portal também noticiou que o carro dos pais assassinados não estava na garagem mas, sim, em frente à escola do filho, e as anotações do caderno da criança mostravam que ela tinha ido à aula pela manhã.

Uma das fontes utilizadas para a redação em ambos os portais foi o “deputado estadual Major Olímpio (PDT)” que, segundo o Estadão, “entrou no local e conversou com os investigadores”. Trata-se de uma fonte extraoficial. Pela construção da reportagem, o major teve acesso à cena do crime, devido ao seu cargo, e pôde conversar com os militares responsáveis pela ocorrência. Assim, ele repassou informações de sua perspectiva aos jornalistas. O uso desse tipo de fonte leva à determinadas discussões sobre o quão válido pode ser a inclusão de uma testemunha que dá publicamente um parecer não oficial. Nesse caso, o enquadramento dado pelo Estadão nos pareceu bastante cuidadoso e responsável.

A notícia termina com uma hipótese, sugerida pelo próprio veículo. O crime poderia ter uma relação com possíveis retaliações de uma organização criminosa de São Bernardo dos Campos para a Polícia Civil e Militar. A reportagem, no entanto, deixa claro que a suposição não havia sido confirmada por ninguém.

O Estado de S. Paulo lidou com as informações do caso de um modo sensível, tentando descrever suas fontes com maior precisão e as circunstâncias com maior profundidade. É provável que o furo perdido para os concorrentes online tenha feito o veículo priorizar o maior detalhamento de informações do que a imediaticidade das mesmas, que parece ter sido uma grande preocupação da Folha de S.Paulo.

O que podemos perceber na comparação entre a apuração feita pelos dois canais no primeiro momento do caso Pesseghini é um conflito de objetivos. A rapidez da divulgação e a complexidade de informações divulgadas são duas orientações que podem ter pesos diferentes para cada veículo, em diferentes momentos.

14 comentários:

  1. O caso Pesseghini nos leva a uma reflexão sobre a hipermidiatização. A ansiedade pelo furo pode ser uma armadilha, já que não há tempo para uma apuração completa. Os comentários de vocês sobre o primeiro dia de cobertura do caso estão bastante embasados. Gostei da apuração para fazer o post!

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  2. Ver a maneira com que vocês estão acompanhando o caso é colocar em prática tudo aquilo que temos aprendido em Teorias do Jornalismo e Pauta e Apuração - no meu caso. A corrida pelo furo, como disse a Mel, o uso de fontes oficiais e extra-oficiais que parecem ser os únicos porta-vozes do caso e a maneira quase descuidada com que o assunto têm sido discutido em alguns veículos. Vocês tão de parabéns pela análise, gente!

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  3. Assim como a Luísa, no meu dia a dia eu estou muito ligada com essa temática de grandes acontecimentos. Inclusive estamos montando um Laboratório de Acontecimentos aqui na UFMG. O impacto que essas notícias têm e como elas reverberam na mídia por muito tempo mostra um imenso interesse do público pelo mórbido, pelo diferente. E a mídia tenta nos abastecer com uma enorme quantidade de informação sobre o assunto. Muito boa a análise de vcs. Abs

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  4. Um debate interessante que pode ser feito a partir da análise feita por vocês é o de analisar o que é mais importante para um veículo de comunicação. O "furo" de notícia ou uma apuração mais cuidadosa??

    Porque o Estadão não se preocupou em publicar a notícia primeiro? Ou talvez o que tenha acontecido é que depois de perder o furo o Estadão tenha optado por realizar uma matéria mais cuidadosa, já que não tinha mais a notícia em "primeira mão". Porque a Folha foi "apressada" em sua publicação?

    Em suma é isso, acredito que esse é um debate que seja bastante pertinente.

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  5. Olá pessoal! A postagem de vocês está muito boa. Quando apresentaram a proposta, achei ela muito desafiadora. Por meio de post é perceptível o esforço de vocês em mapear o desenrolar do caso Pesseghini. Um aspecto que me chamou a atenção foi a cobertura on-line, que permitiu constantes atualizações sobre o caso e, na minha opinião, permitiu maior disponibilização de material em vista de outros meios de comunicação. Reforço os comentários anteriores acerca da corrida pelo furo. Bom desenvolvimento de projeto!

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  6. Correção: "Por meio deste post é perceptível [...]"

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  7. Ótima a postagem de vocês. Analisar a relação "furo X melhor apuração" é bastante pertinente.

    ps.: Infelizmente não foram apenas alguns veículos que se preocuparam em dar o furo. A polícia, antes mesmo de uma apuração detalhada, correu para apontar o garoto como o autor do crime.

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  8. Muito interessante a abordagem de vocês! A forma comparativa entre as maneiras de abordar um mesmo fato, por dois veículos concorrentes de primeira linha, faz sim termos a sensação que, uma vez perdido o furo da notícia, resta ao que divulgou depois tentar apresentar maiores detalhes e sugerir possibilidades sobre o fato ocorrido. Bastante bom o post de vocês!

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  9. Muito interessante essa comparação de cobertura dos dois veículos , e tem a questão de hoje os jornais as vezes por querer ter um furo , pela grande pressão nos jornalistas, buscarem fontes muitas vezes não tão confiáveis.

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  10. Desde o início achei bem interessante o tema escolhido por vocês, gostei muito da postagem. Mas uma sugestão: gostaria de ver mais a análise e críticas de vocês sobre o que foi divulgado. Vale pensar algumas das coisas que estudamos com a Geane: o quão interessante e ético é a super valorização da instantaneidade em contraposição a uma apuração mais detalhada.

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  11. Pessoal, acho que será bem interessante acompanhar o projeto de vocês. Ao contrário de muitos casos já retratados em projetos de outros colegas, estamos em algo em andamento, que pode tomar rumos impressiveis, mas assim como o lado ético quanto o sensacionalista podem render ótimas discussões acera do assunto.

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  12. Meninos, gostei bastante do relatório! Ficou bem fundamentado e acredito que vocês tenham conseguido alcançar o objetivo de apresentar os fatos e, assim, guiar para uma reflexão acerca de furo, apuração e ética. Achei bem interessante o comentário de que o Estado de S. Paulo possa ter aprofundado a apuração, uma vez que já tinha perdido o furo para o concorrente online, pois, ao mesmo tempo que temos dois lados da notícia - o furo e a apuração - temos, também, a evidência de que o segundo pode ser uma forma de angariar uma maior audiência quando já não se pode mais fazer uso do primeiro e não uma escolha inicial.

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  13. Pessoal, achei que descreveram e contextualizaram muito bem, mas a análise apareceu só no último parágrafo. Penso que poderiam usar alguns trechos da descrição da cobertura dos dois veículos e já entrar na discussão furo, apuração e ética que propuseram. Acho que inserir alguns trechos originais das matérias que analisaram seria interessante. Aguardo ansiosamente os próximos posts!

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  14. Olá, meninos! Gostei bastante da contextualização de vocês, acredito que ela foi uma boa guia para que pudéssemos entender o contexto dos acontecimentos. No entanto, penso que a análise de vocês poderia ter sido mais aprofundada, com mais detalhes e talvez mais impressões que vocês tiveram!

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