Esse primeiro post será dedicado a uma breve explicação da nossa ferramenta de análise, o teste de Bechdel, à contextualização do primeiro filme escolhido (10 things I hate about you) e a análise dos resultados.
O teste, que surgiu como uma brincadeira crítica da cartunista norte americana Alison Bechdel, leva em consideração se, em um filme, há:
1 –Duas personagens mulheres
2 – Essas duas personagens tem um diálogo entre si
3 – O diálogo é sobre algo que não homens
A partir daí, esses critérios se tornaram alvo de reflexão e se transformaram em um tipo de teste da representação feminina no cinema. Esse teste não avalia a qualidade dos filmes ou sua relevância, e sim suscita reflexões sobre o papel das mulheres na trama e permite diversas análises, se pensarmos no estilo do filme, seu ano de lançamento, o contexto social, o público alvo, entre outras possibilidades.
O primeiro filme a ser analisado é a comédia romântica “10 coisas que odeio sobre você”, produzido e distribuído pela Disney e Buena Vista e lançado em 1999. O roteiro do filme e sua trama central (2 irmãs, a mais nova que deseja namorar e a mais velha que tem repulsa por homens e um pai autoritário) é fortemente baseado na história de Shakespeare, A megera domada, que também deu origem à novela "O cravo e a rosa" da Rede Globo. A primeira apresentação dessa peça foi datada em 1593, época em que as relações amorosas e os casamentos eram de extrema importância na vida de uma mulher, sendo completamente inusitado (e de certa forma inaceitável), uma garota que não desejasse namorar/ se casar e apresentasse temperamento tão difícil.
Kat, a mais velha, é mais politizada e também mais “antissocial”. Tendo sido popular no passado e sofrido pressão para perder a virgindade, ela passou a adotar comportamento mais alheio ao círculo social do high school, tentando orientar suas escolhas pela vontade própria e se expressando ideias feministas e ativistas. Já Bianca é a perfeita princesinha popular dos filmes americanos, cujo objeto de desejo é o garoto mais popular da escola. Este, Joey, aposta com um amigo que conseguiria desvirginá-la e, para cumprir a aposta, paga a um garoto, Patrick, para tentar conquistar Kat. A trama também envolve Cameron, novato na escola que se apaixona por Bianca à primeira vista e Michael, seu amigo. Eles sugerem a Joey o plano de pagar a Patrick para que Cameron possa ter a chance de tentar conquistar Bianca por si só. No desenrolar da trama, a interação dos personagens perpassa por temas como expectativas sociais, pressão dos colegas, escolhas e conformação. No final, Bianca descobre que Joey já esteve envolvido com sua irmã e foi o motivo que a levou a tomar suas próprias escolhas, longe do que seu círculo social impunha. Bianca também percebe, no desenrolar da trama, o quanto o afeto de Cameron era verdadeiro e acaba se envolvendo com ele em vez de Joey, o que traz à tona o plano de conquista que envolvia pagar Patrick. O filme se encerra com todos os casais reunidos e bem, como num conto de fadas moderno.
O filme tem várias personagens mulheres, dentre elas as duas protagonistas, Kat e Bianca. As amigas de ambas também são relevantes na trama. O filme passa no teste de Bechdel, uma vez que apresenta diálogos entra as personagens mulheres sobre algo além de homens. Kat e Bianca dialogam sobre expectativas sociais, sobre escolhas pessoais e o conceito de popularidade. Mas, apesar de propor essa abordagem de temas importantes à adolescência, o filme acaba subvertendo a relevância deles ao situar as causas e soluções dos problemas das personagens em torno de relacionamentos amorosos. A construção da trama toda gira em torno da necessidade de uma menina adolescente ter um homem em sua vida e se adequar aos parâmetros de seu círculo social. O filme retrata as personagens principais de forma facilmente influenciável, que mudam comportamento e pontos de vista em função da perspectiva de um relacionamento. O final feliz mostra as personagens realizadas em seus respectivos relacionamentos, não abordando a carreira acadêmica de Kat; que foi aceita em uma ótima faculdade ou retomando o relacionamento das duas com o pai, nem explorando o sumiço da mãe das meninas. O mais decepcionante é a forma com que Kat perde sua profundidade como personagem engajada e politizada, se tornando apenas mais uma adolescente apaixonada aos olhos do espectador, como se suas causas fossem apenas um escudo contra o “verdadeiro amor”.
O filme tem várias personagens mulheres, dentre elas as duas protagonistas, Kat e Bianca. As amigas de ambas também são relevantes na trama. O filme passa no teste de Bechdel, uma vez que apresenta diálogos entra as personagens mulheres sobre algo além de homens. Kat e Bianca dialogam sobre expectativas sociais, sobre escolhas pessoais e o conceito de popularidade. Mas, apesar de propor essa abordagem de temas importantes à adolescência, o filme acaba subvertendo a relevância deles ao situar as causas e soluções dos problemas das personagens em torno de relacionamentos amorosos. A construção da trama toda gira em torno da necessidade de uma menina adolescente ter um homem em sua vida e se adequar aos parâmetros de seu círculo social. O filme retrata as personagens principais de forma facilmente influenciável, que mudam comportamento e pontos de vista em função da perspectiva de um relacionamento. O final feliz mostra as personagens realizadas em seus respectivos relacionamentos, não abordando a carreira acadêmica de Kat; que foi aceita em uma ótima faculdade ou retomando o relacionamento das duas com o pai, nem explorando o sumiço da mãe das meninas. O mais decepcionante é a forma com que Kat perde sua profundidade como personagem engajada e politizada, se tornando apenas mais uma adolescente apaixonada aos olhos do espectador, como se suas causas fossem apenas um escudo contra o “verdadeiro amor”.
Nesse sentido, são suscitadas questões de reflexão que depois são abandonadas em função do amor eterno adolescente, seguindo bem o padrão adotado pelos filmes da Disney. A necessidade de se ter um relacionamento, um homem, acaba deixando obsoletas as questões mais importantes, como definir uma identidade própria. No final, ambas as garotas modificam seu ponto de vista em função do amor, o que acaba reforçando a ideia de que as mulheres são movidas a estímulos masculinos. Apesar de passar no teste, o filme não mostra nenhum posicionamento revolucionário com relação à caracterização feminina, apenas reproduz o famoso padrão “princesa Disney” no cenário de 1999, com pitadas de rebeldia e trilha sonora que não envolve o cantar dos pássaros.
Finalmente, as ressalvas sobre a aprovação do filme analisado demonstram, inicialmente, que o teste é bastante questionável. A julgar somente pela primeira análise, faltam filtros na idéia proposta por Alison. Resta investigar, nas próximas postagens, se as impressões irão convergir ou divergir entre si, para que possamos elaborar o relatório final como resultado de uma síntese consistente das análises guiadas pelo teste de Bechdel.
Achei bem engraçado ver "10 coisas que eu odeio em você" sendo analisado. haha
ResponderExcluirGostei do post e achei sensacional o trecho que vocês comentam que a protagonista Kat perdeu sua profundidade, "como se suas causas fossem apenas um escudo contra o 'verdadeiro amor'". Isso é algo muito comum de acontecer em diversas produções. Vários filmes, séries e novelas que me vieram na cabeça agora, todos terminaram com suas protagonistas-heroínas-batalhadoras dessa mesma forma: bem esvaziadas.
Achei interessante a escolha do filme. Nunca tinha parado para analisá-lo dessa forma. Vocês conseguiram demostrar bem os seus apontamentos. Acho que, realmente, esse esvaziamento dos protagonistas é algo muito recorrente hoje em dia nas produções cinematográficas. Bom trabalho!
ResponderExcluirGosto muito de Dez coisas que odeio em você, principalmente a cena musical, mas sempre fiquei muito incomodada com a forma que a Kate perde a sua personalidade ao "encontrar o amor", deixando a impressão de que todos seus problemas se resolveriam ao descobrir o amor. É como se ela só assumisse todas suas características por ainda não ter encontrado o par ideal, o que é algo constante em filmes, onde vemos uma mudança bruta de personalidade dos protagonistas quando encontram suas paixôes. Estou curiosa para saber se tal padrão se repetirá nos proximos filmes analisados!
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