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Nil, Nil (2008) |
Mundo arábe: História milenar de formação multi-cultural
Quando aproximamos nossas lentes do mundo arábe, alguns contornos nos saltam aos olhos. Antes de tudo, tratam-se de tradições antiquíssimas de formação multicultural, fruto tanto de intenso comércio como de disputas políticas que variavam o domínio de território por determinado povo. O Irã, por exemplo, nem sempre foi território muçulmano e muito menos, ortodoxo. O território em que hoje é o Irã já foi ocupado pela civilização elemita, sendo posteriormente substituído pelo Império Persa Aquemênida, depois passando por um período de dominação grega, e assim por diante.
Se o Império Persa tem início no século VI antes de Cristo, é só por meados do século VI depois de Cristo, ou seja, mais de mil anos depois, que o território, sob domínio arábe, se converte ao Islã. O arábe então vira a língua oficial, iniciam-se a construção das mesquitas e o zoroastrismo, popular religião da época, passa a ser perseguido.
Como o Irã, cada país arábe carrega em suas história períodos de diferentes práticas culturais e configurações políticas. Por mais que o fundamentalismo islâmico atual remeta à escritos remotos, a estrutura social de tais países é fluida, e não fixa e imutável.
O Irã é um país com uma história tradicionalmente liberal e progressista em relação às mulheres. Investigações arqueológicas mostram que nos tempos pré-Islâmicos as mulheres persas tinham direitos propriatoriais e que muitas chegavam a posições elevadas na sociedade, no governo e inclusive no exército. A adoção do Islã mudou significamente este status quo, mas ainda assim, o século XX viu as mulheres a conquistarem poder de voto, direitos iguais na educação e no trabalho e até a controversa abolição do véu, uma situação diametralmente oposta a que se vive hoje em dia e que na altura dividiu a opinião pública. No entanto, com a revolução e a criação da Republica Islâmica assim como a adoção da lei Sharia, várias restrições foram novamente impostas.
De 1979 pra cá: A situação atual da mulher iraniana pós-Revolução Islâmica
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Nil, Nil (2008) |
Obedecendo à Sharia (o código de leis islâmicas, que rege o país), o governo iraniano força a segregação por sexo na maior parte dos locais públicos. Teerã também consente com a violência rotineira contra as mulheres. Os chamados “crimes de honra” – o assassinato de mulheres por supostas ofensas sexuais e matrimoniais, geralmente por seus próprios parentes, alegando que a “ofensa” trouxe “desonra” à família – são maneiras freqüentes de castigo público para as mulheres iranianas. Sob o código penal iraniano, meninas de até nove anos de idade podem ser executadas por enforcamento ou apedrejamento pelos chamados “crimes de moralidade”, como adultério.
Apesar das mulheres terem certos direitos como poderem votar e ter cargos públicos, elas têm sido, especialmente desde a Revolução Iraniana, relegadas à um segundo plano. Dentre outras áreas, as mulheres são discriminadas pela lei e sociedade iraniana das seguintes maneiras: só homens podem pedir o divórcio; a mulher não tem direito à pensão e nem à guarda dos filhos; o testemunho de uma mulher em juízo vale metade do que o testemunho de um homem; a mulher tem direito à metade de uma herança que seus irmãos recebem; a maioridade penal feminina começa aos 9, a masculina, aos 15; a mulher precisa da permissão de seu marido para trabalhar fora ou deixar o país; as mulheres raramente são promovidas a altos cargos, e apesar de seu alto índice de educação, elas perfazem apenas 14% do número de funcionários públicos.
As restrições às mulheres iranianas também se aplicam a seu modo de vestir. Todas as mulheres, inclusive as visitantes estrangeiras devem usar um véu. As autoridades iranianas preferem que as mulheres iranianas usem um chador, que é uma roupa que cobre todo o corpo, ou uma combinação de uma proteção total da cabeça, conhecida como hijab, e um longo casaco chamado manto. Depois da eleição do Presidente Khatami, eleito em 1997, a obrigatoriedade desse código de vestimenta tornou-se lei, e desde a eleição do Presidente Mahmoud Ahmadinejad, em agosto de 2005, este código tem sido executado rigorosamente e quem não o cumpre pode ser preso.
Em 2007, sob o governo fundamentalista de Ahmadinejad, em dois dias a polícia e o exército iranianos prenderam cerca de 300 mulheres por roupas inapropriadas e deram um ultimato a cerca de 3.500. A ordem da polícia era deter as iranianas que se vestiam ao "estilo ocidental" ou que não usam o véu islâmico obrigatório no país. Enfim, estava proibido o uso de calças curtas ou saias justas e curtas, assim como os lenços pequenos que deixassem de fora parte do cabelo da mulher.
É claro que essa situação não é aceita passivamente pela totalidade das mulheres iranianas e que há organizações e movimentos de resistência, mas isso será melhor trabalhado no próximo post.
Análise das séries de Shadi Ghadirian que remetem à guerra e situação política do Irã
A fotógrafa Shadi Ghadirian é casada com o também fotógrafo e escritor Peyman Hooshmandzadeh. É curioso observar os contrastes entre o trabalhos dos dois. Enquanto Shadi fotografa ambientes internos, domésticos - o universo das mulheres; Peyman prima pelo externo, pela rua - o domínio dos homens.
Da mesma forma, é pela ótica do doméstico que Shadi retrata a guerra, realidade familiar para Shadi desde a primeira infância.
Em entrevista à ativista indiana Ruchira Gupta, Ghadirian afirma que o que mais a impactara durante a vida foi a guerra: 'Guerra, nós vivemos a guerra, nossos vizinhos vivem a guerra, e já se fala a respeito de uma nova guerra. Eu cresci durante os anos de guerra com o Iraque. Perdi familiares e amigos. A futilidade da guerra será algo que eu sempre me esforçarei em pontuar e destacar.'
É isso que fica claro na série 'Nil, Nil', de 2008. As fotos, que mesclam elementos cotidianos como lenços, mesa de chá e brinquedos infantis à capacetes militares, balas e máscaras de gás, remontam à penetração da guerra na vida cotidiana e sua banalização e naturalização. A guerra está enraizada no cotidiano. Os objetos de guerra estão tão bem inseridos no cenário que dão a impressão que são parte natural do ambiente. Ao mesmo tempo, na medida em que trabalha com objetos de luxo, como um sapato alto vermelho (junto a um coturno), uma fina carteira de cigarros ou uma fina bolsa de mão (junto a balas) Shadi atenta para a futilidade da guerra e critica o dispêndio excessivo das investidas militares.
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Nil, Nil (2008) |
'White Square', de 2009, vai pelo mesmo caminho. Nessa série Shadi fotograva em fundo branco objetos de uso militar (tais como coturno, capacete, cantil, cinto de armamentos) que decora com uma fita vermelha. Existe uma intenção de contrapor a delicadeza e/ou fragilidade do mundo feminino à brutalidade e grandeza da guerra. Ao retirar esses elementos de seu contexto original, a artista parece ter a intenção de dar delicadeza à objetos que são agressivos e usados de forma brutal, dando-lhes uma nova visibilidade. Uma outra interpretação levou-nos a perceber os objetos envoltos em fita vermelha como presentes irônicos, presentes às avessas. No momento em que Shadi insere lacinhos vermelhos à capacetes de guerra e granadas, ela remonta mais uma vez ao caráter fútil, vaidoso e gratuito da guerra.
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White Square, 2009 |
Dentre as séries que analisaremos nesse post, 'My Press Photo', de 1999, é a mais enigmática. A série é composta de velhas fotografias 3x4 de militares iranianos sobrepostas à fotos de agências de notícias. As fotos-base revelam situações diversas, desde retratos da cantora Bjork, a cenas de campos de refugiados, mendigos, africanos, revolta popular, Madre Tereza de Calcutá e o lutador de boxe americano Muhhamed Ali. Algumas das fotos retratam cenas de violência e terror, mas outras como a da cantora Bjork e da Madre Tereza de Calcutá, alegria e esperança.
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My Press Photos (1999) |