quarta-feira, 20 de novembro de 2013

"Quem morre não fala mais nada" #3

por Leonardo Ribeiro e Lucas Afonso Sepulveda



Foram três homenagens feitas na porta da casa da família Pesseghini, na rua Dom Sebastião, no bairro Vila Brasilândia, em São Paulo. Um mês após a morte da família, flores foram deixadas por amigos, familiares, conhecidos e, principalmente, por estranhos que acreditavam que Marcelo Pesseghini não era autor dos crimes. O mesmo aconteceu no Dia das Crianças e no Dia dos Finados.

A residência dos Pesseghini foi, por alguns meses, como uma Meca para os que conheceram a família pelo noticiário nacional. Tanto mídia, quanto público, parecia se equilibrar no limbo dos fatos e especulação. O garoto matou os pais. O garoto não matou os pais. O crime foi, na verdade, uma queima de arquivo. Quem matou a família Pesseghini?

Era a nova novela da imprensa brasileira.

***

Dos três primeiros dias de apuração do caso Pesseghini, talvez o último torne mais evidente as diferentes abordagens adotadas pelos portais online da Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo. Enquanto o primeiro conseguiu arrecadar informações dispersas para produzir cerca de dez notas em menos de 24 horas, o segundo só publicou três.

Dois acontecimentos foram essenciais nas investigações da morte da família de PMs no dia 7 de agosto. O primeiro foi a divulgação do vídeo que mostra Marcelo Pesseghini saindo do suposto carro da família e indo para a escola, no mesmo dia em que teria cometido o crime [Folha: “Vídeo mostra garoto suspeito de matar os pais saindo do carro”]. 

Já o segundo acontecimento foi a declaração feita pelo comandante Wagner Dimas para a Rádio Bandeirantes, sobre denuncias feitas por Andrea Regina Pesseghini de militares envolvidos com roubo de caixas eletrônicos [Folha: “Comandante de batalhão diz que PM morta com a família denunciou colegas”; Estadão: “Mãe de menino denunciou PMs, diz comandante”].

Esses dois marcos, no entanto, não sustentaram a grande quantidade de notícias produzidas pela Folha no terceiro dia de apuração. A grande preocupação do veículo, neste dia, foi com a busca por relatos da vida pessoal da família de militares mortos. Pela Folha de São Paulo, descobrimos que Marcelo Pesseghini frequentava a Rota com o pai e tinha confeccionado um cinto semelhante ao utilizado por policiais; que um dos vizinhos da família achava que “o Marcelinho era um amor”; que parentes do garoto nunca ouviram reclamações dos pais; que a diretoria da escola acreditava que o estudante era dócil, e também descobrimos sobre a doença que poderia matá-lo aos 18 anos.

Já o Estadão foi criterioso com as informações que publicava. Primeiro, subiu uma entrevista com uma psicopedagoga da PUC de São Paulo para contextualizar o estado de patologia mental que sofrem as crianças que cometem crimes, além de comentar sobre o que é ou não relevante para a investigação sobre o estado psicológico do filho de militares. Já a segunda nota publicada foi sobre o enterro da família. Por final, o Estado de São Paulo comentou a declaração dada pelo comandante sobre as denúncias feitas por Andreia Pesseghini, além de outros detalhes levantados pelo inquérito policial.

A Folha divulgou os acontecimentos antes do Estadão e, como nos outros dias da cobertura, ela priorizou as postagens das informações apuradas, à medida em que tinha acesso a elas, tentando criar uma narrativa que permitisse ao leitor a proximidade com o acontecimento. O Estado de S. Paulo, no entanto, optou por publicar um número menor de notícias que acumulavam um número condensado de informações da investigação, demonstrando um interesse em divulgar os desdobramentos do caso com maior articulação entre os acontecimentos. 

Um dos recursos que mais nos surpreendeu foi o uso da entrevista do Estadão com uma psicopedagoga para discutir se crianças podem cometer crimes. Esta se provou como uma tentativa interessante de ampliar a discussão do caso, evitando promover especulações e, ao mesmo tempo, se diferenciando da abordagem que o veículo concorrente fazia ao se preocupar com a publicação rápida e a invasão de detalhes particulares da família morta para conseguir discussão e acessos.



7 comentários:

  1. Meninos, gostei bastante de acompanhar os relatórios de vocês e me fez pensar também sobre algumas coisas. Acho que uma boa forma de olhar pra esse crime é pensar mesmo nessa ideia de um acontecimento que se torna midiático e que ganha repercussão e reverberação por vários dias nos meios de comunicação. Acho que existe duas dimensões importantes a serem pensadas: de um lado não podemos ignorar que a mídia deve sim ir atrás de evidências que tornem a narrativa jornalística mais completa e plural, com diversas vozes e pontos de vista. Por outro lado, não se deve perder de vista que o jornalismo não deve tomar pra si o papel de construir o perfil de um criminoso nem mesmo forçar indícios de um crime, na ânsia por resolvê-lo antes mesmo da polícia. Acho que se a cobertura assim se desenvolveu, não devemos culpar apenas aos jornalistas ( o que é bastante cruel). São notáveis várias forças que atuam no desenrolar dessas coberturas como a dramatização dos crimes, o interesse do público, a própria questão da privacidade e ainda interesses mercadológicos e organizacionais. Enfim, parabéns pelo trabalho desenvolvido ao longo do semestre.

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  2. Olá! Nem preciso falar que adorei o projeto de vocês, né? Já começa sendo um tema que eu gosto bastante e a maneira que vocês o construíram me deixou ainda mais interessada. Faço das minhas todas as palavras do comentário do José. Acredito que um dos papéis mais difíceis do jornalismo é conciliar essa necessidade/função de se noticiar crimes, evidenciar seus motivos (e até mesmo provocar a reflexão sobre eles) com a responsabilidade de não se construir culpados. Além disso, a introdução desse post me fez pensar bastante sobre o envolvimento da população quando esses crimes midiáticos vêm à tona. Se, por um lado, em alguns casos, temos pessoas que se mobilizam a ir até a porta dos fóruns, gritar "assassino", destruir a casa e o trabalho dos "acusados", em outros, temos essa mobilização de afeto, como geralmente fazem no caso das vítimas. O que não podemos negar, em ambos os casos, é que a cobertura da mídia tem muito a ver com a construção desses personagens, sejam eles vítimas ou culpados. O trabalho de vocês me fez perceber um pouco melhor a construção desses papéis na cobertura dos jornais, o que, normalmente, eu acredito que não seria tão evidente em uma leitura corriqueira.

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  3. Olá! Meninos, gostei muito do projeto de vocês e os acompanhei em todas as postagens! Concordo com o que o Zé e a Marina falaram, mas também ainda penso muito nisso da necessidade de instantaneidade que muitos veículos mantem e nos desdobramentos que essas publicações constantes e, as vezes, rasas, podem provocar no público, ainda mais quando se tratam de histórias que repercutem como esse caso! No mais, parabéns pelo trabalho!

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  4. Muito bacana gente, no meu ponto de vista esse foi um dos trabalhos de grande densidade, seja pelo fato ou propostas de análise que vocês se proporão a fazer, gostei muito da postura de vocês em lidar com esse caso tão polemico durante o semestre, e curti muito a proposta do Google Hangout agora no ultimo post ,que trouxe uma dinâmica bem interessante , Parabéns pelo trabalho.
    Abrs.

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  5. Achei muito interessante a forma de abordagem de vcs sobre o tema, a comparação entre os dois jornais e, principalmente observar com mais clareza os editoriais de cada jornal. Parabens pelo trbalho!

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  6. Vocês concluíram muito bem o trabalho, meninos! Foi muito bacana de acompanhar a cobertura da mídia nesse caso de comoção e curiosidade nacionais. Ainda mais agora, que a pauta "esfriou" e não se fala mais tanto no acontecimento. A cobertura ainda rende pano para muita investigação sobre o fazer jornalístico.

    Abs

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  7. Muito boa essa conclusão de vocês, galera. Sensacional a forma como vocês colocaram tantas reportagens a respeito de um caso que, em minha opinião, não tinha pauta para tantas reportagens assim, já que as coisas ficaram muito nebulosas desde o início - diferente do caso Nardoni. Parabéns pelo projeto, achei genial.

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